"Uma vez que alguma coisa de tão grave se passara comigo, parecia-me, ingenuamente, que eu deveria estar mudado. O espelho, porém, não me enviou senão o reflexo do meu rosto de sempre, um rosto inquieto, angustiado e pensativo. Passei a mão pelas faces menos para apagar o vestígio de um contacto do que para assegurar-me de que a imagem reflectida era bem a minha. O que torna a volúpia tão terrível é talvez o fato de que ela nos ensine que temos um corpo. Antes, ele não nos servia senão para viver; a partir de um determinado momento, sentimos que esse corpo tem sua existência particular, seus sonhos, sua vontade, e que, até à nossa morte, teremos de levar em conta a sua presença, ceder, transigir, ou lutar.
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Termino por lastimar-te sem, contudo, condenar-me severamente. É certo que te traí, mas não quis enganar-te.
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(...)
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Não tendo podido viver segundo os preceitos da moral estabelecida, procuro, pelo menos, estar de acordo com a minha própria. No momento em que decidimos renegar todos os princípios, é conveniente que conservemos, no mínimo, os escrúpulos. Assumi para contigo compromissos imprudentes que deveria ter mantido por toda a vida.
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Peço-te humildemente, o mais humildemente possível, perdão. Não por te deixar, mas por ter ficado por tanto tempo.”
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(Alexis ou o tratado do vão combate, Marguerite Yourcenar)
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