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Aqui está, amigo, minha casa vazia e meu cheio coração: é o quanto resta, após a tempestade da véspera.
Durante muito tempo, reuni objetos que a convenção valorizou, e de ornamentos inundei o lar, fazendo-o deslumbrante e belo.
Muitas
vezes desejei deter o sol triunfante, para que minhas águas se
dourassem ao seu beijo, quando seus raios descessem a mirar-se no lago
do meu quintal. Todavia, fagueiro, ele corria pelo céu e, ocultando-se,
fazia-me chorar de emoção ao vê-lo emoldurando nuvens brincalhonas.
Vezes outras, roguei à pálida virgem da noite descesse seus cabelos de
prata, e os umedecesse no orvalho guardado nas pétalas do meu roseiral.
No entanto, ei-la no lago, a deslizar nas águas paradas, despedaçando-se
sob as rodas do carro do vento.
Às aves do arvoredo, supliquei
sempre cantassem à janela do meu quarto, despertando-me com o gorjeio
das suas vozes. Mas, quando as tive perto, no peitoril da janela,
tornei-me ladrão, roubando-lhes a liberdade, para sempre as ouvir
cantar... e, daí por diante, sempre estiveram a chorar a perda do céu
sem fim e do arvoredo musical, que a brisa traz e a noite acalenta.
Tudo quis: nada tive.
Quando, porém, a dor de muitos chorou à minha porta, qual tempestade de
desesperos, dei todos os objetos, ornamentos e valores que a humana
condição venera...
E libertei-me da rapina, libertando as aves. A dor dos estranhos me falou tanto, que me fiz mendigo, rico que fui, para dar.
E agora que chegas, amigo, tu a quem amo... somente posso oferecer-te
minha casa vazia e meu cheio coração, eu, que antes era dono de uma
casa cheia e de um vazio coração.
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( Rabindranath Tagore )
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