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Algumas pessoas
provocam o outro até ouvir algo
insuportável; nessas
conversas traiçoeiras, discursos
repetitivos reforçam
ciclos de ressentimento
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- Eu te ligo.
- Mas eu vou ficar tão nervosa
esperando você ligar que eu preferia que você não ligasse.
- Tá bom, eu não te ligo.
- Legal! Assim eu não preciso ficar
desesperada, pensando que eu podia ligar para você enquanto você não liga para
mim. Nem imaginar por que você ainda não ligou. Mas... Você vai ligar, não é?
- Eu te ligo.
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Esta
adaptação de "diálogo impossível" poderia ter vindo do livro homônimo
de Luis Fernando Veríssimo (Objetiva, 2012). Um trabalho que parece retomar as
pesquisas, dos anos 70, feitas pelo antropólogo Gregory Bateson e da Escola de
Paio Alto, sobre a comunicação paradoxal. O chefe que diz uma coisa e faz outra
contrária, o pai que "mostra" seu amor ao filho repetindo reclamações
e críticas, o discurso liberal com a prática autoritária, são exemplos de
situações discursivas patológica.
Duplicidades
entre mensagens e códigos, dissonância entre o que pensamos e o que dizemos,
disparidades entre a forma como "representamos" ações e a maneira
real" como nos comportamos, têm aparecido nas pesquisas do psicólogo
Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de
Economia em 2002, e em uma vasta gama de investigações sobre a filosofia moral
"prática".
De
todos os diálogos impossíveis, o meu favorito ao "prêmio" de alienação
discursiva é, sem dúvida, a conversa entre casais. A temida DR (discussão de
relacionamento) é um caso particular do que Freud chamava de "a mais
generalizada degradação do objeto na vida amorosa", ou seja, um dos signos
clínicos típicos e inevitáveis da desagregação da retórica amorosa. Como a
piada que nos lembra que os Beatles
falavam
de amor e não duraram mais que dez anos juntos, os Rolling Stones, que louvam o
gozo, estão até hoje cantando Satisfaction.
Também
entre amigos as chamadas "mesmas conversas" são fonte de gradual
irritação, mas isso não contraria a regra, pois a amizade é uma forma de amor.
O grande enigma é saber por que, mesmo sabendo que se dissermos A ouviremos B,
não conseguimos resistir à força impelente do discurso que nos degrada,
arrastando o outro junto. O caso típico é o daquela pessoa que não consegue se
conter até ouvir aquilo que lhe é insuportavelmente repetitivo. Ela dá voltas,
provoca e parece forçar o outro a perder a paciência e dizer o que sempre diz,
machucando e reforçando o ressentimento que a conversa inicialmente tinha o
objetivo de reparar.
Há,
nesses diálogos, aquele acento traiçoeiro que nos faz ter a certeza delirante
de que só com um "pouquinho" (o diminutivo é aqui essencial) mais de
tempo, dinheiro ou compreensão tudo estaria resolvido. Devia haver um
"Discursivos Anônimos" para nos lembrar que nessa matéria é preciso
evitar sobretudo a "primeira palavra". E reunião sistemática para
recordarmos que estamos há tantos dias sem pronunciá-la. Em uma época na qual
se insiste tanto na importância da criatividade e da inovação, pouco ou quase
nada se ouve sobre a RENOVAÇÃO do DISCURSO. Não há nenhum personal trainer para
a PALAVRA, não conheço receita, manual, regime ou educação dirigida que seja
eficiente neste assunto (não confundir com oratória, sedução e coisas do
gênero). A cura para isso anda escassa. É na poesia que aprendemos o trabalho
de dizer com cuidado e escutar com precisão. Mas quem defenderá a utilidade da
poesia como gênero de primeira necessidade da vida relacional?
Na
verdade, as tentativas de disciplinar de modo "auto- consciente"
nosso discurso têm resultados muito parciais - quando não desastrosos.
Portanto, seria melhor que aprendêsse¬mos a respeitar o adversário que parece
tão fácil de ser derrotado: A PALAVRA. E a palavra de amor, que com amor se
faz.
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CHRISTIAN
INGO LENZ DUNKER, psicanalista, professor livre- docente do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
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